domingo, 25 de julho de 2010

MEFIJA Tarde de 24-07-10


Pedalei a tarde inteira, estrada difícil, terra pra tudo quanto era lado, uma imensidão no horizonte e eu muito cansado, além de um pouco preocupado com o pneu que desde muito vem murchando aos poucos e, se não recalibrado sempre, acabafurando a camera.
Foi anoitecendo, já sabia que isso aconteceria e eu não conseguiria chegar na próxima cidade chamada Ipameri, mas mesmo assim estava disposto a continuar mesmo no escuro. Porém, pra minha surpresa, depois de dezenas de Kms sem ver uma casa a beira da estrada, avisto um conglomerado de pedras com uma escrita que mais parecia o nome de uma fábrica ou instituição governamental, percepção que só aumentou quando observei escrito numa porteira - "NÃO FUME, NÃO DESÇA" - e isso só fez com que aquele suspense aumentasse, Não fume? não desça?, o que seria aquilo? alguma espécie de lugar que comportasse algo que poderia vir a explodir a qualquer momento?. Como não havia ninguém ali, arrisquei uns passos além da porteira, dei uns gritos de "OPA" por ali e de repente vi aparecer um sujetio, intensifiquei os chamados até que ele me observou e veio em minha direção para enfim me revelar que lugar era aquele, MEFISA, uma casa de recuperação de dependentes de drogas, principalmente crack, muitos dos quais ja haviam estado em conflito com a lei, e ele, Renato, era um dos internos, termo que ele mesmo utilizou após eu lhe perguntar se era monitor do lugar, tamanha sobriedade e autonomia que me transmitiu.
Expus meu caso pra ele, que estava viajando de bicicleta, havia doado minha barraca, perdido minha rede, os pneus com aqueles problemas todos... pedi um canto de concreto pra jogar o isolante témico e saco de dormir que me restaram para passar as noites e, depois de me ouvir, ele esboçou muita compreensão e chamou o coordenador do espaço, para o qual repeti a história, agora cercado por outros "internos" (o termo utilizado pelo coordenador é aluno), e ele, primeiramente muito desconfiado me pediu os documentos, depois me chamou pra uma conversa no seu escritório, me explicou umpuco daquele projeto e disse que me ajudaria pois era alguém de muito bom coração e que foi tocado pelo senhor em relação a mim, além do que na próía biblia estava escrito que não se deve negar auxilio aos viajantes.
Julio, nome fictício do coordenador, já havia sido aluno no MEFIJA e segundo ele a permanência por lá é de 9 meses, simbolizando também uma gestação, o tempo que leva pra se nascer, e é justamente um novo nascimento que ali está por vir, o aluno chega e os primeiros 3 meses são para a desintoxicação, nos outros 3 se ganha autonomia e firmeza no propósito de não voltar para as drogas no pós clínica, os últimos 3 meses você reforça essa autonomia e se prepara para a tão aguardada saída.
O lugar respira religião, são vários cultos evangélicos ao longo do dia e atraves da fé que busca-se ali o caminho para um novo mundo sem drogas. Paticipei de dois cultos, muito diretos e fortes, por sinal, falam de roubos, assassinatos,má influências que tendem a levar os homens ao caminho da perdição, sendo que tudo o que é dito tem respaldo biblico e é realmente impressionante como daquele livro encontram versículos e ensinamentos que os afetam diretamente e eu, também muito sensibilizado com tudo, aprendi muito sobre fé. O culto parecia ser pra mim, uma energia incrível tomava conta do lugar, uma força que pouquíssimas vezes havia sentido dentro de uma igreja. Oraram por mim, pela minha viajem, foram realmente muito solidários, me persentearam com pulseiras que eles lá produzem artesanalmente, além de uma infinidade de Halls, que lhe são dados como forma de amenizar a falta do cigarro, cada um chegava com tres ou quatro pacotinhos de Halls e me ofertavam.
Julio passou por todo esse processo como interno, voltou pra casa após os nove meses mas uma semana depois a voz do senhor o chamou para que ele continuasse sua obra e ele voltou ao MEFISA, agora como estagiário e permanecerá nessa condição por mais 3 meses para aprender o processo do cuidado, o qual ele desmpenha muito bem.
Na MEFISA ha uma coletividade muito grande, todos parecem se respeitar muito. Julio disse-me que uma grande extensão de terras ali pertence a um pastor e que aquele terreno onde se encontrava a clínica foi doado por ele, porém, não contam com contribuições para a manutenção do espaço, a não ser os
R$250,00 pagos pelas familias dos rapazes ali em recuperação, 20 no total.
A simplicidade do lugar e falta de recursos são explícitas, fiz duas refeições com o pessoal, no jantar uma espécie de sopão meio papa onde tinha de tudo mistirado; arroz, macarrão, legumes; no café da manhã, pão puro aquecido pra virar torrada, suco de saquinho e cha de erva cidreira. Porém a garra daquele povo é imensa e, mesmo em meio as dificuldades, não falta acima de tudo a vontade de sair das drogas e começar uma nova vida.
Em poucos lugares me senti tão bem recebido, realmente um grande ensinamento de vida pra qualquer pessoa. Em viajens como esta, na qual vemos muitas coisas e perfis diversos, aprende-se muito a não julgar as pessoas pela aparência, aliás, além de ter ouvido várias vezes também posso presenciar que nos lugares em que socialmente mais se tem medo de estar, como manicômios, CAPS, clínicas de recuperação, por exemplo, são os que mais se encontra afeto, carinho e solidariedade.Uma lição à todos nós.
Pena que infelismente minha hora aqui na Lan house está prestes a terminar, pois ainda teria muito a escrever, tanto sobre a MEFISA, quanto a outras histórias e figuras incríveis que cruzaram meu caminho.

bjos e abrçs a todos!!!

...Pedalando pelos mundos...

24-07-10

Acordei tarde, quase meio dia. Havia combinado de almoçar com os amigos de Catalão antes de partir e assim o fizemos. Engraçado, não sei o que aquelas pessoas deixaram em mim, ou talvez eu é que esteja muito sensível em meio a esse processo todo de viajem, mas essa despedida de Catalão foi diferente e a medida que arrumava minhas coisas fui sentindo uma emoção muito forte, não sabia de onde vinha e nem o porque daquilo, era uma saudade já daquelas companhias que tive naqueles dois últimos dias, observava a luz do sol que batia no lado de fora da casa, me veio uma sensação estranha, a impressão de que de alguma forma estava deixando algo muito valioso pra trás naquele momento e realmente aquelas pessoas me acolheram muito bem e me deixaram fazer parte daquilo que são. Cheguei a chorar alguns minutos após a despedida final quando já pedalava pela cidade. Fabiola, Bodó e Jacy, pessoas que jamais esquecerei.
A estrada aos poucos trás um estado muito grande de fluência que faz com que agente sinta um sentimentno de que as coisas acabam se encaixando e se resolvendo da melhor forma possíve e assim tenho cada vez mais me sentido tranquilo e sereno em meio aquelas que, em outras circunstâncias, poderiam ser consideradas situações difíceis. Hoje mesmo, demorei pra sair de Catalão, a tarde já estava lá pela metade e a cidade mais próxima a uns sessenta kms numa estrada com muitas subidas e descidas, sendo que eu sabia que pelo caminho não havia posto pra eu encher os pneus que tão murchando com o passar das horas e os ônibus também não paravam caso precisasse de ajuda, segundo o próprio motorista de um deles me informou. Portanto sabia que iria ficar a noite pela estrada, na pior das hipóteses com os pneus murchos, mas mesmo assim descidi partir e em nenhum momento me bateu qualquer tipo de tensão maior. Acreditei que de alguma forma resolveria as coisas sem grandes transtornos ou, se com grandes dificuldades, nada que fosse grande demais pra me fazer volver.
Enfim, pedalei, pedalei... as luzes da estrada estavam lindas, o percurso é bastante difícil mas a estrada não estava muito movimentada, talvez por ser sábado, e eu pude parar, fazer fotos do trajeto, até que, findando a tarde, depois detoda uma tarde em que ao redor só o que se podia observar eram montanhas e terras, cheguei à um lugar chamado MEFIJA, a qual posteriormente descobri ser uma clínica de recuperação para cidadãos que já estiveram em conflito com a lei, mas não tenho certeza se todos. Conto essa vivência no próximo contato.

Pequenas decepções

Infelizmente tenho pedalado muito nesses dias todos, mais do que o previsto, e os imprevistos com a bicicleta atrasaram muito a viajeme isso não tem me permitido tempo para conhecer melhor os lugares, procurar por mais informações, trocar mais com as pessoas, realizar os trabalhos que gostaria com o pessoal, enfim, tenho me limitado muito a estrada somente e, embora muita gente interessante tenha cruzado meu caminho, estou um pouco decepcionado em não poder conhece-los.

19 e 20-07-10

Depois de uma boa pedalada de dois dias a partir de Uberaba cheguei em Uberlândia. Foram dias bem cansativos, principalmente o último no qual no trajeto haviam muitas subidas.
Em Uberlândia cheguei no cair da noite desta última segunda feira, pra variar com mais um furo na camera, e como se trata de uma grande cidade, geralmente mais difícil e caro pra arrumar lugar pra ficar, pensei em ir para a estação central e de lá pegar um ônibus até Araguari, uma cidade vizinha a cerca de 30Km, pois nesse trajeto havia uma grande serra com pouco acosatamento (sem em alguns trechos), trecho no qual ocorriam muitos acidentes e por isso, juntando-se ao cansaço, decidi não pedalar este percurso. Minha opção por Araguari me faz mudar novamente o roteiro e essa decisão veio depois de conversas sobre a condição das estradas com as pessoas que encontrei no caminho.
Porém, quando a caminho da estação pra pegar o onibus para araguari, conheci duas garotas, universitárias da federal de Uberlândia, também conhecedoras da educação popular, que me informaram estar ocorrendo o encontro regional de História e, sendo eu graduando desse curso, não poderia perder a oportunidade de participar. As garotas foram fantásticas e me deram muitas informações e indicações pra eu procurar uma galera do diretório estudantil que poderiam me ajudar em conseguir uma estadia. Adentrei a universidade e encontrei só gente boa lá, uma galera bacana mesmo que rapidamente me acolheu e acabei ficando alojado na própria sala do diretório, dentro do campus da universidade.
No evento, que durou mais quatro dias a partir da minha chegada, pude conhecer gente do Brasil inteiro, principalmente alunos e professores de história, além de gente de outros movimentos sociais e estudantes de outras áreas. Trocamos muitas experiências e informações, falei bastante do encontro para todos, muitos escreveram nos retalhos... foram dias de muito aprendizado para mim mas, pelo lado negativo, dias em que não estava pedalando e assim, consequentemente, mais atraso na viajem. Além disso perdi minha rede no dia em que cheguei em Uberlândia.

Noite do dia 16, sexta-feira, 5º dia de viajem

Noite do dia 16, sexta-feira, 5º dia de viajem.

No dia 16, sexta feira, anoitecendo, decidi acampar e passar a noite em um posto da estrada entre Leme e Pirassununga, interior de São Paulo, mas tive uma péssima surpresa num primeiro momento quando desembrulhei minha barraca para arma-la, pois percebi que suas varetas estavam quebradas de modo que inviabilizaria sua utilização para dormir. Estava muito vento e a previsão era para 5º na madrugada, fiquei um pouco preocupado mas parti para o plano B, dormir numa rede que também carrego nas viajens. Teria que arma-la entre árvores, em lugares descobertos ali perto, o que era ruim pois os ventos fortes poderiam ser indicativos de chuva no decorrer da noite. De repente, quando já me preparava para migrar, me aparece um senhor super gente boa, puxando papo e tirando umas dúvidas sobre aquela bicicleta toda cheia de malas ali encostada. Ele viaja com a esposa por aí num caminhãozinho vendendo armários, cadeiras e mesas de madeira, dormem na cabine, lugar muito apertado pra dois, segundo ele que me ofereceu manobrar seu caminhão de modo que mais se aproximasse do pilar da área coberta para que eu pudesse amarrar na sua lateral uma banda da rede, sendo a outra no pilar e, além de me fazer esse favorzão, me ajudou a amarrar a rede, pegou uns plásticos pra não danificar minhas cordas, deu uns nós bem garantidos de modo que eu pudesse dormir bem seguro, enfim, o cara foi muito gente boa e acabei tendo a minha melhor noite até então, a rede estendida, no céu as estrelas apareceram, bem como a lua que estava com um brilho muito especial e a questão dos ventos e frio foi resolvida com meu saco de dormi;r, feito para aguentar até -10º. Foi uma noite incrível, fiz um pouco de tudo, escreci um pouco, vi as fotografias tiradas até então, bati papo com o pessoal do posto e só fui acordar no dia seguinte, lá pelas sete da manhã, quando o senhor gente boa tava de saída e precisava desamarrar a rede do caminhão e foi aí que lembrei que ele havia me falado na noite anterior sobre a falta de conforto em dormir com sua esposa na cabine e, assim, ao invés de guardar a barraca pra tentar arruma-la depois, o que estava fácil pois faltava apenas colar umas varetas, decidi doa-la pro casal, o que o deixou muito emocionado e pude ver isso nos olhos deles que tentaram me perguntar quanto valia aquela barraca, quanto eu tinha pago, e eu desconversava e dizia que era presente, pra eles não se preocuparem. No final ele me deu dez reais, os quais relutei em pegar mas acabei cedendo. Acho que vai ser muito útil pra eles essa barraca e, depois
da ótima noite que tive, posso me virar muito bem com a rede.

OBS: Podia, pois lá na frente, quando já estava eu em Uberlândia-MG, perdi minha rede. Essa é uma história que conto pra vocês depois.

bjos e abrçs!!!

...pedalando pelos mundos...

Tarde de Pedal e Carona até Uberaba

As cameras da bicicleta tem furado muito, não sei se por serem de má qualidade essas cameras de hoje, como tantos outros produtos fabricados na atualidade, ou se consequência da enormidade de pedras, vidros, arames e toda sorte dejetos que se acumulam nos acostamentos ao longo da estrada. O negócio é que isso me traz enormes transtornos, pois exige mais esforços em empurrar a bike, atrasa a viajem, além dos gastos a mais.
No sábado a tarde furou novamente, depois de um intenso dia de pedal em que saí de Pirassununga e fui quase até Ribeirão Preto. O problema é que não havia nada aberto quando percebi que o pneu estava muito murcho e por sorte um rapaz que trabalha com um guincho para uma empresa local me oereceu uma carona até Uberaba.
Fiquei feliz por não ter de empurrar a bicicleta pela estrada, mas triste por que deixo de pedalar um bom trajeto, além do que depois vim a descobrir uma mensagem deixada por alguém da rede me informando de um acampamento sem - terra em Ribeirão Preto, o qual não poderei visitar mais agora.

15-07-10

No dia 15, quinta feira, Hennok, que me hospedou em Araras, me levou pra conhecer o caps em que é estagiário, o convite caiu como uma luva, pois o dia anterior, quando tive que pedalar 85Km em meio a chuva e frio, havia me desgastado muito.
O caps em questão fica em uma pequena cidade chamada Nova Gertrudes, tem a fachada de uma casa como outra qualquer do bairro, possui um bom espaço físico (tem até uma piscina), é bem arejado e as pessoas ali parecem estar muito bem e a vontade, me deixando uma ótima impressão por parecer consolidar muitos dos ideais da reforma psiquiátrica, as pessoas se falam e se tratam de igual pra igual, todos os trabalhadores são cuidadores, tanto os usuários como desde a ajudante geral até a coordenadora, e conhecem os propósitos do serviço no qual atuam, e todos, usuários e trabalhadores, constroem um ambiente extremamente sadio em que pode-se sentir-se a vontade e se expressar de variadas formas.
Conversei com todos e pedi para escreverem nos retalhos, surgiram mensagens lindas nas quais as pessoas se revelam muito, é engraçado, outro dia entreguei um retalho pra um cineasta que tinha acabado de lançar um documentário sobre populações que tiveram que migrar após a construção de uma usina hidroelétrica no interior de Minas Gerais e Goiás, eles segurou o retalho nas mãos e perguntou:

- "escreve o que?;
- " o que você quiser, é livre", disse eu;
"livre? mas é em relação a que?;
- "ao que você quiser", retruquei;
Aí ele olhou pro retalho, ficou olhando pensativo, oscilou um pouco e concluiu: "engraçado, quando nos dão liberdade pra fazer as coisas agente fica meio sem saber o que fazer".

Tenho notado muito isso nas pessoas, aquele momento de escrever nos retalhos é ímpar, um no qual ha a necessidade de se expor, algo tão simples como escrever uma mensagem torna-se difícil, uns desistem, outros olham pro retalho, olham, pensam em desistir,

Voltando ao Caps, vi um novo usuário chegando e sendo super bem acolhido pelos outros usuários. Conversei com todos e descobri lindas histórias, quis fazer um trabalho com fotografia, mas infelizmente a coordenadora não permitiu, aliás, conversando como os usuários percebi que falta naquele espaço o fomento de mais oficinas, informação que transmiti num outro momento para a coordenadora e ela disse-me que já haviam projetos que haviam dado certo e que agora eles tentavam retomar. Foi uma grande manhã esta no Caps de Nova Gertrudes.